06 fevereiro 2007

sim: sim: sim: sim: sim!

Os debates sobre a IVG estão aí em massa e para as massas: é na tv, no rádio, na net, nas ruas, por todo o lado. Por alguma razão os media servem interesses de massas. Só quem fizer de conta é que não repara na mobilização social em torno do referendo sobre a IVG. É de espantar, realmente. Já agora também seria bom observarmos tal agitação a propósito do fim da guerra. Mas não é isso que está a ser referendado. A mania de inventar outras questões para além daquela que no próximo dia 11 vai a votação faz parte dos queridos defensores do Não. Digo "queridos" porque pelos vistos é assim que gostam de se tratar entre si e os outros (veja-se a fatídica Kátia Guerreiro a dirigir-se a uma jovem do movimento pelo Sim num dos passados prós e contras na rtp). Mas isto não interessa. Que se tratem como bem lhes apetece. O que irrita mesmo é a produção discursiva (e por isso tão retórica) que os Não insistem em levar a cabo. Aspectos como a liberdade de ser mãe, uma vida com felicidade, segurança médica, descriminalização, entre outros, parecem não ter o mínimo interesse para quem tão acerrimamente defende uma espécie de boa nova que é a protecção da vida. Como se, para nós, que vão votar Sim no referendo, a vida não interessasse para coisa alguma. Irrita mesmo é a generalização abusiva de um conjunto de ideias que os senhores e as senhoras do Não consideram inquestionáveis: todas as mulheres nasceram para procriar e reproduzir outros seres; a família é um valor absolutamente incontestável (e família com um pai, mãe e no mínimo dois filhos, de preferência um casalinho); quem aborta merece castigo de prisão, porque não interessa se se desejam crianças ou não: quando surgem sem contar, transformam-se numa espécie de fatalidade que é preciso carregar e por isso é que há as Joanas todas pelo país fora; por fim, quem defende o Não acha que está a defender as mulheres e a tratá-las bem, pois acima de tudo do que elas precisam é de caridade e de subsídios quando uma gravidez aparece sem querer. Não há paciência para tamanha desconfiança. É que não há mesmo. Por que razão as pessoas que não são favoráveis à despenalização da IVG acham-se responsáveis pelas vidas dos outros? Por que razão consideram que é preciso instituir um sistema de moralidade e de costumes a respeito da gravidez e ao abrigo de uma lei que, pelos vistos, nem sequer é aplicada? Quem seremos nós, afinal, para ajuizar uma realidade alheia como seja o desejo de uma mulher - não sabemos qual, nunca a vimos, nunca conversamos com ela - para terminar uma gravidez? A mim, o que me parece, é que a reacção alarmista dos defensores do Não assenta numa vontade de fazer prevalecer uma lógica social de comportamentos que nem mesmo eles sabem qual é. Mas o que interessa é não falar muito do que não tem solução possível, e sobretudo assim em manifestações, com barulho e tudo: se abortou, é porque quecou e, por isso mesmo, a mulher devia mas é estar quietinha. Deste modo, o que está por detrás de toda esta discussão e que é transversal às posições do Sim e do Não (ainda que os protagonistas do Sim já o tenham referido algumas vezes, talvez ainda em número insuficiente) é o problema, e que na nossa sociedade existe, relativamente à vivência da sexualidade. Num artigo recente que li n'O PUBLICO, faz-se o resumo de uma entrevista que foi feita ao antigo Ministro Roberto Carneiro, em Fátima. Olha que bem. Sobre o referendo da IVG, o Roberto diz qualquer coisa como: "nem sei porque se fala tanto neste assunto e porque é que vai a referendo. Olhe, daqui a uns tempos, temos a eutanásia, os casamentos entre homossexuais, e eu sei lá que mais". Fim da citação (que não é transcrita). É justamente neste seu "e eu sei lá que mais" que vemos toda a escuridão onde ainda o pensamento português se encontra. De tanto se falar num mal, ainda se acaba por trazer os amigos. De tanto querer discutir uma coisa, vai-se ficar a não saber coisa nenhuma (raciocínio do ex-ministro). Por isso, vamos lá deixar a sociedade como ela está, pois os modos como nascemos e morremos não são realidades determinadas por nenhum e nenhuma de nós (outra vez raciocínio do ex). Mas, na verdade, esta miscigenação de argumentos - estilo tiro ao alvo a ver o que é que pega - é insuportável. O que é que a IVG tem que ver com a eutanásia ou os gays? A seu tempo, talvez, pode ser que algumas destas questões sejam publicamente discutidas. E qual é o mal? eu vou votar sim: sim: sim: sim: sim! porque esta realidade, este mundo no qual participo, não me tem dado quaisquer motivos para nele poder acreditar. Basta a ideia da alteração dos poderes instituídos, da moral tacanha que ainda é partilhada, para a mim me dar um sentimento de maior felicidade, nem que seja através da simples introdução de alíneas no código penal.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois é, Gabriel, também eu tenho ficado absolutamente estupefacta com algumas das coisas que os defensores do Não têm dito... Mas por mais que nos queiram confundir com afirmações e discursos demagógicos e falsos a única coisa que está em questão é se cada um de nós acha que se deve penalizar e criminalizar uma mulher que abortou.
O que está em discussão hoje, tal como em 1998, não é a bondade ou a maldade da prática do aborto, não é a defesa ou a condenação da interrupção voluntária da gravidez. O que está em discussão hoje, tal como em 1998, é se quem interrompe a gravidez, é se quem sofre o recurso a um aborto, deve ser penalmente incriminada (e nem vou aqui discutir o facto de incriminação ser, nestes casos, um verbo quase sempre conjugado no feminino, como se nós, mulheres, engravidássemos sózinhas e decidíssemos abortar sempre sozinhas...). O Estado, através da lei, permite que quem engravida, por vontade ou sem a ter (e acontece tantas vezes, mesmo quando as mulheres e os homens são informados, tomam precauções, ...), seja mãe e pai. Deve o Estado, através da lei, obrigar alguém a ser mãe ou pai sem o querer ou sem o poder?
E já que os argumentos acabam sempre por cair em posições de apoio ou condenação da prática (como se houvesse alguém, mesmo quem já o fez, que apoie, que ache fantástico, que ache que esta é uma "solução mágica") gostaria só de deixar uma interrogação: decidir ter um filho é o mesmo que tropeçar numa pedra na rua?
É exactamente porque defendo o direito à VIDA que acho que IVG deve ser despenalizada. Porque não confundo VIDA com existência biológica, física...
É porque acho que a gravidez, a maternidade e a paternidade não podem ser vividas como um castigo ("ai não pensaste? Então agora aguenta...") que defendo a despenalização da IVG.
É porque acho que o primeiro direito das crianças é serem desejadas, independentemente desse desejo resultar de um acaso ou de um planeamento, que defendo a despenalização do aborto.
E, sobretudo, porque não me sinto no direito de julgar e emitir juízos de valor sobre as decisões de quem não conheço e por não querer obrigar ninguém a pensar como eu, defendo a despenalização da IVG.
Para que quem quer ter filhos os possa continuar a ter, e para quem não quer não seja obrigado a tê-los.