12 dezembro 2011

Escravidão moderna


O senhor disse ao escravo que ele devia ficar
em suspenso.
É uma forma moderna de escravidão
esta de suspender alguém,
e suspendendo sem reforçar o prémio do esforço
– é uma coisa simbólica.
O senhor inventa o delírio para o escravo
suspender o valor do seu trabalho,
para nele ficar o traço de alguém diferente,
dedicado
perto de qualquer coisa impossível.
Então o escravo diz-lhe,
– vou e volto, estarei aqui
(ele não começa a frase por “eu”)
e o senhor,
– tivéssemos nós mais tempo e eu “far-te-ia”
alguém livre.
Pois.
Entre o senhor e o escravo joga-se um tempo
que é de rua,
isto é, negócio.
O escravo sobrevém no mostrador das espécies
figurando o seu próprio elemento,
aquele que o senhor não vai comprar
(e muito menos regatear)
um elemento naquele o senhor se quer tornar.

01 dezembro 2011

Medusas













Ela adormece ao som de Lhasa
enquanto uma cabeça de Caravaggio
se esvai pela boca muda de um destino sem texto –
é habitual haver esse destino
que a todo o instante ela o nega,
e eu depois de anos ressurjo-lhe a cabeça.
Ela – uma alma, uma coisa – é uma vida
entre as outras,
morrer de amor decapitado é uma história passada.
Mas há pessoas que são invernos,
têm esse inverno que é diferente dos outros
e nessa adivinhação em que nos põem
o que sobra é o resto.