28 fevereiro 2007

foto-x

a
as
as
as
as
as
sa
as
as
as
asas
as
as
Hoje foi a segunda vez que o simpático senhor iraniano com alma de gepeto me ofereceu um pão para além dos que lhe pedi. Soube bem. Sobretudo depois de ter estado com a boca escancarada e a salivar-me por todos os lados deitado na maca da dentista. É horrivel, mas fiquei por baixo. Ia cruzando os braços, torcendo os tornozelos, rodando os sapatos que me pareciam estar do outro lado da janela da sala. O transpirar das mãos misturado entre os dedos, a ganga entre as pernas já meia húmida por causa do suor seco da pele. Terrível. Fiquei depois refém dos raios x. As radiações estavam lá todas, circulando por dentro e por fora. Mas é bom. Apanhado por uns segundos, a precisar de estar bem quieto, espero um capacete branco que desce mais ou menos ágil. O resto é um som agudo que se escuta como um zumbido. Depois o painel fluorescente em cima da mesa põe a nu a ausência de simetria, o desequilíbrio das arcadas dentárias, o sítio preto por onde respira a contenção do corpo e que se julga estar bem. Temos um sorriso metal também, feito de um acrílico que revela a idade da boca, o que é excesso e o que é defeito, o que se tem limpo e o que se tem sujo, o que abre e o que fecha como tem de ser. Mas o que interessa agora é que aquele senhor iraniano piscou-me o olho e por vinte cêntimos trouxe três pães. Quando lá voltar vou dar-lhe um beijo. Acho que ele é avô de toda a gente. Por agora, dois valiuns por noite.
aas

2 comentários:

Anónimo disse...

A carrinha percorreu a cidade com sopa, alegria, cevada, canções, fruta e até agasalhos acolchoados. Da Avenida da Liberdade até à Praça da Batalha vai o rodar de quatro grandes pneus no fumo da noite gelada que brota os sem-abrigo não sei de onde. Trazem um ar lavado e bem cheirosos são os seus casacos de última moda de rua. Branca traz um cachecol de pele de coelho, ou talvez raposa antiga, onde guarda a voz de fado que oferece pétalas de rosa tiradas de partituras de um chapéu de mágico a todos os que se guardam na urgência do Santo António. Os cigarros dão-se nas mãos comprometidas de amigos, por baixo dos pratos, no meio dos copos, nas mãos que se afagam de bolso em bolso. Do Carregal à Boavista é um fartote de imigrantes quer vieram nascidos com o Sol, mas a noite fica-se por ali; são todos samaritanos: os que dão o que recebem e os que recebem o que dão. -R

Gabriel Mário Dia disse...

de poiso em poiso, o transporte é um verdadeiro abrigo. na verdade, temos sempre muito para dar, ou queremos antes que seja pouco. O Porto nocturno tem porém grandes triunfos :)