08 fevereiro 2007

(terramoto a duas vozes)



o que eu queria era achar que tu me estavas a desejar quando eu de longe te escrevia. lembras-te? passavam vários dias e eu escrevia-te metido no tosco da esperança um recado para nos salvar da perda e do desastre. eu achava que querias que eu te escrevesse porque isso fazia do meu texto um texto mais sentido. não tens grande água onde eu agora possa ir beber, mas escrevo-te asas e luas quase do mesmo modo. quando te foste embora, logo a seguir ao terramoto daquela morte, dissemos que tudo iria continuar igual. eu seria um acorde mais ou menos solitário e de mal com a vida e tu um espelho não muito grande de cores, porque nunca quiseste ser grande. mas eu escrevia muito, dizia-te que as árvores deviam perfurar a terra e que no bolso trazia um segredo mal revelado. confessava-te, em surdina, que fazer amor contigo podia descarnar-me apagar os séculos de culpa que comigo trazia e que ter-te nos braços no amanhecer era como mergulhar uma onda. o que eu queria era convencer-me, e sem mais poder duvidar, que me podias querer por eu estar a sofrer por a ti te desejar. fiz do teu sepulcro uma germinação de vídeos que em casa ia gravando com o coração, queria ter-te numa imagem parada por um comando olhar-te como quem vê um prédio a ser construído com todas as mãos e os projectos lá dentro. havia alturas em que nos deixávamos das cartas e dos textos e na cama os corpos escreviam salivas e escuros. chamava-te ao longe e largado na cama e tu prometias-me cidades e texturas que ali aconteciam, antes e depois de todas as fontes antes e depois de todas as ruínas. se eu te escrevesse enquanto te amasse tudo teria sido diferente, não teríamos anjos para acusar nem agostos mal passados. talvez eu tivesse visto por fim que escrever-te assim enforcado não tem mistério algum ou interesse. tu talvez te apercebesses que o problema do amor não é como uma moeda que é lançada ao ar. e então era suposto haver mais coragem para sair do temor em que me punhas e eu já não acharia que dormir contigo era um precipício. o que eu queria achar era uma casa de sonhos onde eu pudesse meter um rio com uma ponte.

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu nunca quis ir tomar café contigo. Mas fartei-me de desejar que me convidasses para tomar café contigo. E no meio das raivas, dos choros, das desilusões e até daquilo que me dizias e afinal não era, encontraste um horizonte certo, com a mesma luz, o mesmo relógio, a mesma mesa, o mesmo homem a servir, a porcaria do adoçante e aquelas colheres tão pequeninas onde reluzia toda a luz do sol. Mas tudo isso que construíte tijolo a tijolo como num jogo infantil perdeu o encanto da poesia. E já deitei o café fora, a chávena, a colher e até o homem. Deixo para lá o sol e o horizonte, mas continuo sem saber o que fazer de ti. -R