22 novembro 2012

Hora
















Chegou aquela hora
hoje demorou mais do que ontem
mas aquela hora
em que nenhum rosto vale
e se procura
é aquela hora do teu conforto.
Se as palavras encaixassem
ora uma espera do próprio tempo a passar
ora um recuar tremendo
até às figuras que já fomos,
uma coisa género reencontro.
Mas mesmo nisso há máscaras,
eu cresço face à hora hedionda
que é quem sou e me pergunta.
Chegou horizontal
e acrescento um gesto
para não estar tão só.
Uma hora tem um termo,
desdobra-se noutros verbos
que o gesto em si pouco diz.
A hora que é aquela hora que te desce
entre os teus inícios,
é um roubo,
um tirar do tempo tão grande
e fossemos mais alguém a conceber
um para lá da hora em si.

09 novembro 2012

O meu temperamento e as condições subjectivas da sua existência



















Ser sujeito do sujeito é um suspiro

e o eu não entende isso.
Se começássemos pelo princípio
não havia eu nenhum
e o congresso das coisas seria um pouco nulo.
As condições subjectivas da existência são difíceis,
distraem-se. Fossemos dois, achados sós,
mas fossemos dois, e esse intervalo
seria uma daquelas coisas subjectivas,
que era eu sobre eu a seguir
não importa que outro. Isto é dizer –
zango-me com eu e com Rimbaud,
eu não é outro? Olha, pois, mas zango-me
e o temperamento volta àquela frequência
que eu habito, não o eu
que é frequente.

Pier


É um pier paolo pasolini
cuja graça ressoa lenta
numa autoestrada ao pé do mar.
Foi confuso escutar-lhe a dor
e no entanto
não é universal.
O esquema da acção é este:
de menor para maior
de superior para complexo,
e isto é o que revela ser
um verdadeiro esquema de acção.
É um medo tão só medo
isto do pier paolo pasolini,
está ali à nossa frente – gracejem e verão
o pobre equilíbrio do homem
num sustento guiado per si
– e falemos como deve ser –
o som depois do próprio som,
é o muito grande antes do animal.

04 novembro 2012

23h:59m














Fizeste qualquer coisa que eu sei –
é quase madrugada
e a gata passa rápida
entre a janela e o sound affair
que eu pus ali
só para nos deitarmos os dois.
Fizeste qualquer coisa,
eu sei
tu sabes,
eu ando com pouca literatura
mas isso não é motivo
pk foste tu e não eu
quem me pôs aqui a escrever,
e a imaginar que num poema
vale tudo isto e aquilo,
que é como quem diz
eu a desejar que o ordinário
se torne literário, quando muito
um querer amar a si mesmo.

23 outubro 2012

O Retorno















Apetece-me destroçar aquele inverno,
e de novo eu me parti
dia após abismo.
No universo há uns anjos – dizem –
que olham por quem se parte
e eu recordo o fim da terra
tão biblicamente
ao ponto de naquele tempo
eu te achar humano.

21 outubro 2012

Dolmen Music - música dos ancestrais (para MAP)

















Hoje o meu amigo passou-me as músicas
e enquanto isso
o amor dele dormia.
Não sei bem de qual gruta o som saía,
se de mim, dele
ou do seu amor no sofá deitado,
igual às vozes e aos animais.
Depois vimos uma entrevista
era a não palavra naquela música
e o amor dele dormia, dormia
numa hélice acordada
por cada sombra, enquanto eu via.
E eu via a forma, que sobre mim pousava,
daquele assombro
que foi a morte e o desapego de um verso só
naquele estado de ser alguém.

14 outubro 2012

Em setembro voltaremos


































Ele tinha quatro peles
que durante um olhar parado
falavam como o início da voz,
e num daqueles túneis agora modernos
eu sonhava com o desejo
daquela sua chegada.

Às primeiras folhas das árvores
ele furtava aquele nervo igual à sua boca,
e nos beijos crescia selvagem,
praticamente nu.

Eu vi como pode um homem
desparecer por meio das suas palavras,
menos pelo corpo,
e imaginei-lhe um retrato
numas dessas paisagens sem sombras.

08 agosto 2012

Duas pessoas e uma história






















A viagem dura
Um dia e meio,
Ele não se vê ao espelho.

No país em que eu fiquei
As sombras já não entram
E porém reflectem.

Ele não ama igual ao tempo
Ele é um destino depois
Da noite.

07 agosto 2012

Lost Bird






















Enquanto o frio sobe
Um gato entra pela porta
De um quintal.


O gás da água é verde
Desta cor sem ti
E de uma certa vertigem.

O teu pé direito
É mais pequeno do que eu,
E inteiro.

The little Swallow






















July 31 –
This small swallow

Flees the morning’s gray.

From the horizon comes
The young features of August

Getting out of an uneasy dream.

If that leaf were coldest
Will those swallows
Continue to swing with one’s another?

18 julho 2012

From one’s bird song















Estendo o braço ―
o que renasce em mim
é luz.

Eu não choro ―
as pequenas ervas estão molhadas
é o murmúrio.

Sigo a linha de parados olhos
anoitece e desarmo
é a água correndo.

20 junho 2012

A. King & Corelli (aos bailarinos de Alonzo King)


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Passam um pelo outro
e através levantam-se,
como caranguejos respiram.
De um coração branco, meio nu,
unem-se três –
dão corda, rastejam,
deformam-se ao verem o mais belo bailarino dançar.
Mais luz do que pó
na obscuridade são sentinelas eternas.

18 abril 2012

Passeio em obras






















Da confusa gente que se abate na rua
uma máquina trabalha, silenciosa
crua,
uma obra.
A natureza confunde-se com os buracos
de todos os dias,
e um buraco no solo não é um espaço isolado.
Ele – a máquina que em si pensa – retrai-se
ao escutar a voz cuja ruína ali se espalha,
na estrada à sua frente.
É uma terça-feira diferente que desaparece.

19 fevereiro 2012

Detestemos amar

A memória não vai para onde quer,
é sempre levada
pelo intervalo constante do seu turno.
Eu tenho um requisito por princípio,
e que é deixá-la ir.
Mas a coisa é quase sempre a mesma,
isto é, esqueço-me de voltar ao início
que era onde eu sabia ser.
A memória faz-nos mal, além de poder
dar em doença.
Há coisas piores do que não conseguirmos esquecer,
isso requer um balanço de peso
o que também não é fácil se a memória nos toma.
Eu fiz um desenho sob o seu túmulo
e pensei que o antes desaparecera
como que uma vida.
Voltei ao desenho passados três invernos,
e o pior de todos o último.
Quando lá voltei eu disse impossível ser-se aquilo,
aquele amor de segunda mão.

27 janeiro 2012

Espelho meu













Eu preparo-me, enceno.
Juro que tento encenar aquela coisa
que é ser próprio,
e vejo o pouco que custa ficcionar.
Eu preparo-me para o corpo.
Desengano-me se te vejo,
o teu jeito é dinâmico.
E por detrás da cortina que se põe
a dupla forma do desejo liga-me os dias.
Parece haver apenas um tema,
um «saber ter»
como quando mudamos de pensamento
e o contexto é o mesmo.
Eu tenho a criação imprecisa
de te ter,
vario.
A coisa maior que costuma pesar o amor
é doer, diz-se.
E queria que ma doesse mais a mim do que a ti.
O quotidiano de mim
transforma-se em singular
quando prospera sobre um fundo singular.

20 janeiro 2012

Eu e as árvores

Eu tenho esperanças atravessadas
por um arco de tempo
que me dói
e depois disso
é uma melodia de árvores cadentes.
Tão tristemente
as árvores podem ser vistas
e eu cruzo-as
como um passageiro conhecido.
Dizem-me
“despertaste-nos a poesia num lugar recatado”
e eu
“não, minhas caras, o que se passa
é um oco, vejam como eu respiro”.

15 janeiro 2012

Fantasma prático






















O fantasma prático é como os pássaros
que migram durante o dia.
Há um entorno no qual descansa
e de novo se levanta
sem disfarçar o que é.
Um fantasma tem aquela identidade
que acaba em lágrimas,
como um fim. Ele compara-se sem parar
a todas as formas de vida,
e viaja.
Se alguém amar um fantasma prático
é preciso dizer-lhe
“que países queres tu perder?”
(seria, com efeito, uma questão pessoana)
mas de mundano para mundano era mais,
“que regresso te faz voltar?”
E viaja, viaja, sobre nós esse fantasma viaja
escolhendo entre tantos
quem a ele se entrega.