05 março 2007

nova raiva


asss
asas
asas
asa
as
aass
asas
houve quem me quis dizer que num dos meus voos me apaixonei
e chorei de lágrimas quentes por todo o meu corpo,
molhando-me achado pelo voo
e pelo corpo que no meu se meteu
desde o início.

e não paro de escrever nesta emoção aviadora
que é a nova raiva dos meus pulmões.
asas
secreta e de pavilhão
é um laser em chafariz num vaivém de curvas
que depois se instala num tépido fumo de frutas.
aasa

5 comentários:

Anónimo disse...

Que bom havia de ser se pensasses com os pés. Não no chão, como toda a gente, mas com eles enfiados atrás do pescoço, virados para as estrelas se fosse de noite, ou para o sol durante o dia.
A lua não; a lua não nasceu para ser pisada; preferia-a assim naquele seu ar virginal, onde ninguém se encontra, onde ninguém abraça uma simples gota nem que brote involuntariamente do seu próprio corpo.
A lua fica bem lá guardada no museu do Universo, como se fosse o cofre de toda a nossa ternura, das nossas mãos de dedos que se tocam indelevelmente e transmitem energia quântica ou qualquer coisa assim que nem sei bem o que é mas não preciso de aprender.
A lua fica lá bem: nessa terra do Nunca onde às vezes nãose aprende nada e se fica na mesma feliz mas sem ar apalermado.
Se tu pensasses com os pés ficavas sempre aqui a tagarelar comigo e não te punhas para aí a tentar ir até à lua. Não estamos aqui tão deliciosamente perdidos? -R

Gabriel Mário Dia disse...

onde? no chão? não sei. Gosto de descambar, ou melhor, gosto das palavras que têm um descambar atrás. eu penso muito com a cabeça, isso sim. com a cabeça toda cá em cima e que vê ou calcula o perigo das alturas. e dentro dela há muitos bichinhos tipo umbigos. o que acontece é que na maior parte das vezes a minha cabeça anda pendurada como uma camisola que vai à máquina a ver se fica com menos borboto e depois fica a secar-se presa com duas ou três molas. agora, se escovarmos muito, o borboto até fica mais rasinho. trocaram-nos mas é as voltas, a todos e a todas, e nem sequer nos avisaram!

Anónimo disse...

Não é a cabeça que se aproxima das alturas, nem os cabelos mais finos quando se põem em pé ou até esvoaçam como aqueles carpelos mais finos das flores da Primavera.
Os pés. É com os pés que pensamos, quando eles ganham umas asas como as de Hermes e atravessam as cinzas das nossas fénices renascidas para este mundo de sapatos cambados; sim, os sapatos são como as palavras e os silêncios em que se descamba: pendem sempre para um lado imprevisível de maior vertigem que escorrega pela encosta de neve em cima de árvores já quase em flor.
O perigo das altitudes é algodão doce, branco na maior parte das passagens pela ponta sôfrega da língua e rosa quando já o mordemos com os lábios pendurados nalguma folha rubra que se prendeu atrás da orelha.
É pelas suas nervuras que se vão equilibrando os bichos-de-seda e os bichos-de-sonho-e-amor que povoam essas placentas das nossas cabeças, alinhavadas a fios de oiro em conexões aparentemente excedentes que se acumulam e organizam em tempos de alegorias e em gaiolas de futuro arrecadado.
E quando saem enxaguadas das circunvalações de ar e água, as cabeças trazem caracóis brilhantes que marcam o ritmo lento no tambor da máquina de lavar. E põem-nas a enxugar muito esticadinhas, sem pontas encharcadas, para não ficarem pingonas de nada que ultrapasse os limites e engane as verdades cerebrais.
E o borboto que possa vir agarrado aos fios tecidos em noites de suavidade tira-se pelo por pelo, com o carinho de quem concebe um poema simples, ou de uma mãe a vestir um filho pequeno que chora no primeiro dia de escola, ou de um arco-íris que atravessa a última gota.
É porém certeza inegável que não há lavagem que não traga borboto, nem cabeça que não ande sempre pendurada. -R

Anónimo disse...

mas ainda bem, a produção da palavra une cabeça-corpo-coração-pés. dentro e fora das gavetas, onde muitas vezes lá a metemos.

Anónimo disse...

Há gavetas que só abrimos para funerais ou baptizados
Há gavetas que só abrimos para rever algo que ficou guardado

um beijo molhado de adolescência perpetuada, um abraço de amigo de uma noite depois perdida, uma fotografia de quando éramos tão novos, às vezes outros, às vezes exactamente os mesmos.

Há gavetas que guardam corações, almas e todo o corpo às vezes prostrado na areia grossa, às vezes libidinoso e ansioso.

E há gavetas que nunca devíamos abrir quando estamos sozinhos. -R