10 março 2007

Estou sem saber onde. Acho que me estou a lembrar do antónio variações. Mas o que toca e que agora ouço é o patrick wolf. Estou gasto. Tenho a sensação de que tudo vi sem nada ter visto ainda. Não há nomes médicos para isto. Há talvez aqueles nomes que chamamos a nós mesmos para nos castigarmos dos lugares ocos que encontramos nos contornos do corpo. Deitei-me e pus-me a olhar para o tecto. Está lá um ponto qualquer acastanhado, pequeno e semi-rectangular. De certeza que está parado, mas vejo-o a dar pequenos passos como se arrastasse uma cauda. Deve ser um bicho perdido. Não me apetece ir lá vê-lo de perto. Do outro lado da janela há muitas janelas acesas, é sábado. Eu devia estar com umas colunas coladas aos ouvidos e a ouvir uma música qualquer dos human league. A ideia é pirosa, mas é sábado. Tantas luzes ou lâmpadas nas casas do outro lado da janela. Devem estar com as televisões ligadas ou então sem preocupações de gastos com a edp. Se eu soubesse tocar violino ia agora chamar o elevador e punha-me lá dentro a fazer qualquer coisa. Mas tenho pouca força. Houve umas violas e uns baixos e umas gaitas que em tempos já toquei. E faziam parte de um grupo. É boa a ideia de grupo, mas não ao ponto de a querer desejar para sempre. Tenho uma querida amiga que me pôs a ver os felinos na televisão. Foi bom, por cinco segundos. Tenho uma querida amiga que não está na televisão, porque ela queria ser um gato, um gato que casou com uma gata ou o contrário. Parece ser impossível sonhar com grandes coisas. Há miúdos subindo e descendo as ruas de mp3 no bolso. Há miúdas que têm óculos de sol maiores do que as suas caras e todos iguais. Há carrinhos de bebés a entrarem e a saírem dos restaurantes e das praças da alimentação dos shoppings às onze da noite. Estou mas é sem saber onde. Ouço-me agora: toma atenção ao que foges, é da tortura ou a tortura é já o esófago onde os segredos se enrolam. Vamos jogar às escondidas, vamos jogar à bola ou qualquer coisa assim. A evidência que julgo existir não é evidente. Acho que sei sempre falar ou ver a evidência, porque se é evidente deve ser fácil lidar com ela. Além disso, acho que sei sempre lidar com as coisas. L-i-d-a-r: que palavra esquisita para nos referirmos à relação com a vida, como se ela fosse uma lide. É um trabalho existir, sim. Mas é preciso lidar-se com isso, como se lida com uma vassoura ou com o programa da máquina de lavar loiça? Há muitas ruas com sentidos obrigatórios e sentidos proibidos. Quase sempre me engano nos sentidos. Tenho um plano de sentido e até acho que tem de ser bem definido. Afinal, emoção e razão são dilemas velhos. Enche-se um prato com comida, molham-se os lábios e a língua com um sumo ou então com uma água mineral e, pronto, por momentos há um acto cumprido, há uma tarefa que deu sustento ao corpo e devia-se ir dormir como tem de ser. Mas há fotografias a mais espalhadas pelas estantes: três e eu já acho que são muitas. São as mães e os pais, os sobrinhos, amigos e coisas que só estão para estarem em cima do pó. Vou engolir as fotografias todas, metê-las no meio dos cogumelos do jantar e fazer um relatório como se isso fosse uma experiência com ratos. As evidências são para serem lidas como cenários, têm papel, cor, máscaras, roupas, falas, dramas e relações. São então histórias. E nas histórias há hóspedes, malas, velas, livros e jardins. É sábado e vou fazer um refrão para interromper as maldições das histórias. Vai ser um refrão sem estrofe, vai ser uma estrofe sem verso, vai ser um verso sem letra. Só ossos para roer. E brinquedos para lhes tirar as peças. Porque nunca gostei de fazer puzzles. O sábado começou agora.
asass

3 comentários:

Anónimo disse...

-R

Gabriel Mário Dia disse...

aqui está a abreviatura - sinal de um vazio cognoscente (ou será que é cognoscível que se diz?); mas está abreviada como o vazio que é a totalidade infinita (expressão roubada ao meu bem amado Levinas), mas que não deve ficar zangado se lhe acrescentar vazio-expansão-do-universo (não fica, pois não?)

Anónimo disse...

Não sei se a abreviatura é o meu silêncio ou o silêncio de quem me penetra o brilho dos olhos até ao infinito que nunca está vazio.

Penso-me sempre a carregar aos ombros feixes de paciência e de filosofia pelo universo que chega mesmo além de mim e dos outros.

Também transporto culpas e ética e não vejo por que razão andar com elas de um lado para o outro.

Não, nunca se fica zangado com um abraço apertado de horizonte a horizonte, expressão total de muito mais do que quatro braços. - R