10 outubro 2008

Norte

Temos anos setenta de mais, muitos anos setenta na cabeça, ela nem tanto, ela prefere recriar o visual como se pela primeira vez estivesse a atingir o olhar de um bebé, nem faz esforço, parece abanar a campainha em nome da Josefina ou de outro nome de criada assim parecido, passa fugindo a formar nas cabeças dos outros um triângulo sem disciplina, apenas risonho por a vermos passar. Os seus anos setenta assentam na cintura, no penteado que fez depois das férias em Alicante, previsível como por ser mulher tirada à página de revista que se tem em casa ao fim-de-semana, e nem tem de esconder os defeitos naturais apenas semelhantes aos que as pessoas fazem de conta ter, talvez devido a um complexo burguês que quase sempre nos leva a ver o mundo composto por castas. Esta pessoa é no entanto diferente, os seus defeitos naturais não se devem tanto a uma psicologia social demasiado internalizada. Nem pode dizer-se que seja calculista como se apostasse num valete de copas ou num outro qualquer laço preto. O azul desencantado que lhe cobre as formas é a convivência que sabemos existir entre quem vive por si e que ao mesmo tempo gasta horas construindo esperanças imaturas. Tem aquele ar moralizado por onde já calcorrearam as temíveis contradições, e as terras que um dia viu e desejou esquecer. É limpa, custa acreditar, embora deva ter passado algumas tardes sozinha na companhia de um chá ou de um livro, e tudo menos Zola, esses romances não podem ter os anos setenta da urbe que a desenha, nem em corpetes de ópera, fingindo ver o que não vê, teria a máscara que hoje queremos de uma mulher, tão incerta como voluntariamente confidente. Ela pesa as medidas adequadas daquela cinzentez de alguém intelectualmente célere, mas com a capacidade estimável de contrabalançar poderes contrários e de, por uma qualquer infância nutrida, tornar-se submissa no igual incómodo da sensatez. Oh que alegre pode ser um dia avistá-la de propósito.

03 outubro 2008

Quadrado mágico

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Passámos quatro países onde todos
os gatos dormiam, e podiam ser seis
as horas do relógio que os reis nem sabiam.
É mais desejoso viajar do que passar
entre cidades sonâmbulas, porém fossem seis
ou fossem nove as nossas horas são
das árvores. Usamos o vento
à chegada nos sítios, são mais do que duas
as árabes terras no ferro brotadas, mais os bichos
e os ramos à água voltados. Cismamos como
cadáveres em cima de furos por ver,
saturamos de sol a rota e os veios. Podemos
pensar ou até mal fazer a abertura
das bocas, sabemos que pela manhã
atravessam primeiro os pássaros negros.