15 janeiro 2009

Luxuriante

Meu Caro,
A começar pela sua forte estatura, era de oferecer-lhe um busto de Alexandre, há algo no penteado de ambos que me recorda a Grécia, e depois não me diga que as estátuas ou, enfim, a oferenda de pequenas estatuetas não cola com a minha suposta nobreza que em presentes se quer ver traduzida. Os bustos geralmente eternizam as imagens, a não ser que ocorram terramotos imprevistos — já que as previsões falham sempre algum detalhe — e no seu caso ter-se-ia de pensar numa matéria da cor dos peixes, porque o tom marítimo cai-lhe bem. Começaria pelas orelhas, redondas e com ar bucólico, e depois desceria para o pescoço, apenas ligeiramente rugoso, mas ao mesmo tempo solene e indicativo do peso que os pensamentos têm em si. Avançaríamos em seguida para as faces, cada uma recortada com a identidade que lhe é própria, como quando sorrimos apenas de um dos lados, ou como quando existem determinados traços entre o nariz e a boca que vão variando consoante os diferentes estados de humor. As suas faces não seriam nunca gémeas e, se só existissem três ou quatro traços a esculpir-lhes as formas, eles seriam o espanto, a indignação, a curiosidade e a sensualidade. Chegando à secção do olhar, e sendo o busto apenas de uma cor, de um azul de algum modo esbranquiçado, da cor do gesso, imaginamos a lâmina negra que habita as aves, ou os gatos, ou então as cobras. Mas há também nas borboletas belíssimos estampados de olhos, e há até fotografias de grande pormenor que nos confundem as perspectivas: quando julgamos ser um nó, num tronco de madeira, trata-se afinal de um peculiar ponto de animal. Haveria então aí, nesses olhos de busto, um feixe de antemão criado pelos rupestres, algo que desde as origens sempre esteve gravado nos buracos e que sempre se debateu, ao longo da sua existência, por uma fina procura de luz — seria, portanto, um olhar luminoso. O busto continuaria assim a ser moldado até ao começo do peito, que estaria coberto pela ilusão de um manto, também ele recortado pelas vestes de uma márcia em silêncio, expectante das auroras. Não haveria lugar a membros, e não saberíamos de que substância far-se-iam os dedos; julgaríamos apenas, ou tão-somente, que pedras preciosas e algumas pérolas da cor das cinzas — pois é certo que queimamos o que mais adoramos — estariam algures dentro do coração.