11 março 2007

às 11 e às 11 e meia

sonho por volta das 11 da manhã

ele comprara uma televisão nova: era daquelas grandes, lisa e fina como as que agora aparecem nas propagandas das lojas de electrodomésticos. Era uma televisão como aqueles painéis ou telas e trazia um comando. Bem junto à parede que é pintada a tinta de grão, ele não soubera porém apontar o comando como devia ser e a televisão não se ligava nem por nada. Fui eu depois que saíra do quarto e pus-me a mexer no comando. Os canais começaram a aparecer em códigos ingleses que são os universais, mas não são bem ingleses porque têm números e siglas de estações e frequências multilingues. Nunca percebi nada disso. Era suposto que o comando resolvesse o silêncio e a teimosia escura da televisão. Mas nem assim. Os canais apareciam e desapareciam como quando ou quem envia e apaga sms. E ele comprara a televisão dos seus sonhos, tão elegante que era só vinha dar à sala mais espaço para espalhar os livros, os cinzeiros e os vasos. Ficaram depois os dois agarrados ao comando, um na ponta e o outro na outra. O comando era grande também. Mas a televisão não os ligara.
dsds
sdsdsd
assasas

sonho por volta das 11 e meia da manhã

o amigo dela tinha comprado uma maqueta da cooperativa onde eu vivi e enquanto ela me ia contando isso, subindo a rua, percebi que esse amigo estava a torná-la feliz porque lhe tinha telefonado. Eu não queria que o amigo dela soubesse que a maqueta que ele tinha comprado era da cooperativa onde eu vivi, porque apenas não me apetecia que alguém soubesse como eram as casas e os bancos e as ruas do sítio onde passei parte dos meus primeiros anos de infância. Por isso escondi-me atrás da primeira cabine telefónica que apareceu, porque de repente o seu amigo cruzou-se com ela. Com quase quarenta anos, aquelas calças eram para andar de skate, mas o casaco combinava bem com a t-shirt esverdeada com umas duas riscas amarelas e o cabelo preto mais ou menos espetado também não lhe caía mal. Era um amigo bem parecido até. Ela corou, como quase sempre aliás, e pôs-se a pentear a franja com os dedos para disfarçar talvez algum nervo. Atrás da cabine, eu via isto tudo. O amigo dela trazia também um saco pendurado quase até aos joelhos mas não devia ser pesado, nem sequer a tal maqueta estaria lá dentro e nem muito menos isso teria interesse porque nem ela nem ele têm algum escritório de arquitectura ou uma biblioteca. Pouco depois ele deu-lhe um beijo num dos lados da face, muito perto do vértice do lábio e deve ter sabido bem. Mas três pessoas apareceram no passeio que passava atrás da cabine onde me havia escondido. Uma mãe, um pai e uma criança talvez com quatro anos e por isso mesmo esta criatura pequena deu comigo. Não foi por mal; que bom para nós, adultos, se nos procurássemos e nos encontrássemos assim com tanta espontaneidade. Mas isto não quer dizer que as crianças sejam naturalmente espontâneas e também não era isso que eu estava a pensar naquele momento. Apareci então precipitado, saltando da cabine, assim de rompante “por aqui, passeando, como vão?”, e a minha amiga arregalou-me os olhos e eu arregalei-lhe os meus a seguir. Ficámos os três a comentar por uns minutos a passagem das outras três pessoas e dizendo que a criança era engraçada. O amigo dela, como era muito simpático, até lhe acenou e os prováveis pais adoraram isso. Depois a minha amiga despediu-se do amigo ou ele é que se foi embora e ela ficou só comigo, enxaguando umas ligeiras lágrimas que entretanto lhe saíram dos olhos.
asasas

3 comentários:

Anónimo disse...

Quando imaginamos um amigo
e vivemos com ele
as acrobacias do universo,
temos que perder a noção dos limiares possíveis.

Viver com um amigo, ainda que no limbo da vida que não há,
torna-se num contínuo místico que embebedamos
de segundos encostados e somados em raios coloridos como os daqueles amores-perfeitos que estão ali
à nossa espera, no canteiro que olha sempre para nós.

Inauguramos o amigo quase todos os dias
sobretudo quando sentimos que ele nos quer preencher
entre os cabelos semi-ondulados de mar ao fundo e de brisa ganha nos percursos ao longo das orlas onde se equacionam os vectores que vão desembocar não sabemos onde
apesar de querermos de um desejo abrasador tão de cá de dentro,
de um imo que as palavras cruzadas dizem sempre que há mas nunca encontramos nem quando descruzamos as pernas num gesto largo
para tentarmos mostrar que estamos à vontade e nunca conseguirmos.

O pior de tudo é que aconchegámos o nosso amigo no colo e andámos a embalá-lo noite após lua com olhos de estrelas e cometas que rascunham futuros
em que cremos
piamente,
visceralmente,
intrinsecamente...

A janela tornou-se suicidamente(mesmo que o não sejamos) ameaçadora
quando se sentiu que também ele nos cantou canções de mãe ao adormecer
na sua voz do escuro que ainda não apagou a luz ocultada no candeeiro por um lenço de seda tão fina
que até as almas atravessam num sopro de vida.

E por vezes descobrimos que o aroma bom do nosso amigo com mais de trinta anos habita nas nossas narinas
mas já não existe nele.

O nosso amigo passa para o outro lado do limbo
e como vamos rasgar a sede e entrar num mundo que não é nosso? Como relembrar as tardes
a apanhar musgo e líquenes
junto às raízes eternas das oliveiras mais antigas
que amamentaram de azeite
hostes de humanidade capazes de conquistar os reinos dos olímpicos se os olivais quase desapareceram?

Mas quando se esqueceu que os ecocardiogramas disseram que uns são do tipo A e outros do tipo B, que uns precisam de outros e outros não precisam de quase ninguém, quanto tempo vamos demorar deitados ao sol nas nuvens
a vaguear pela atmosfera que já não respiramos
a resolver estas equações de grau infinito que nos conduzam a essas incógnitas desvendadas do ninguém?

Imaginamos um amigo, inauguramos e depois...
as auto-estradas parecem não levar a lado nenhum senão ao próprio amigo,
ficção de um tempo real, obsessão de raras vezes, fuga de noites cinzentas nas estradas de circunvalação das cidades com dois sentidos.

E esperamos.
Quem sabe onde se vendem esses amigos que eram senhores dos nossos bolsos?

Quem souber que envie respostas doces por expresso.
Estará sempre alguém nessas farmácias com um almofariz e um pilão e com as ervas que há nos bosques dos druídas.

Ou então, quem sabe onde se vendem amigos novos?
Simples, capazes de amar, que precisem de nós como nós deles.
Talvez não haja.

Mas se houver amigos novos...
Os braços abrir-se-ão,
nem que seja por um só segundo
para pintar de branco as cores do mundo! -R

Gabriel Mário Dia disse...

bela elegia esta, elegia das amizades ou de uma só que se ganhou mas se perdeu por ter dado demasiado. Mas nunca se sabe muito bem calcular doses ou então pensar em probabilidades ou em perímetros, já agora, quando os amigos vão e voltam, chegam e desaparecem, cantam e choram, lutam e dão-se logo por vencidos, e por aí fora. Geralmente, as elegias têm uma paisagem atrás, quer dizer, à volta, circulando por todos os lados dos afectos, das saudades, dos gostos, dos elementos talvez mais vitais. As paisagens de agora são quase todas suburbanas, não de pobreza, mas porque estão escondidas, logo agora que se desejam ornamentos do tamanho de pára-raios para serem vistos, logo agora em que falar de nudez não tem sentido algum pois quase nada há para vestir. E depois há também cansaço, muita correria, muita perderia, muita inventaria de tensão, de nervosismo e de ilusão. Se não tivéssemos metido na cabeça que há um caminho a percorrer, não andaríamos agora a perguntar onde está o meu? onde está? e por isso nem hesitaríamos ao ouvir uma voz que nos dissesse vem perder-te comigo. Quantos mais temas a humanidade irá criar para nos entreter.

Anónimo disse...

Parece que algumas ondas são melhores para surfar

Será pela ondulação, pela rebentação ou simplesmente pelas espirais mágicas que se formam quando a espuma enrola entre o verde-mar e a areia.

É dentro dessas espirais místicas que se encontram os amigos.
Novos e velhos.

Todos precisam de se sentar na praia com a prancha ao sol
à espera das melhores ondas. -R