24 março 2007

novo método. práticas de exploração

as
as
as
as
as
as
as
as
Ele via o mar por entre dois prédios em construção. Gruas e patas peludas de bichos cobriam as paredes dos dois prédios. Interrogava-se sobre a razão de tais construções apressadas: quase sem tempo para medir o tempo que levavam a ser construídas. Interrogava-se ainda depois sobre a diferença entre o tempo das coisas físicas e o tempo das coisas pensadas, pois em princípio as primeiras não pensam, são resultado de se pensar sobre elas. Correu as janelas para um dos lados e um cão de pêlo manchado, pequeno, corria por entre duas portas abertas. Um gato esconde-se. Subiu o volume do rádio: a terra tinha tremido algures no mundo e muito provavelmente teria assustado centenas ou milhares de pessoas. Estamos todos zangados uns com os outros. Lembrou-se que por volta dos sete anos, perto do depósito do lixo, apontou com os amigos para meia dúzia de estrelas que o céu de verão trazia assim à tona e até à meia noite dessa noite ficou a perguntar-se se algum dia chegaria às estrelas numa volta de bicicleta. Começou aí a exploração de si. De tudo que saberia que era impossível. De querer fé e de saber que isso era impossível de ter. Quis voltar-se para o mar, mas aterrorizado com a ideia de que um dia pudesse ser engolido pelas ondas. Talvez por isso não se aproxime muito da costa. Vai fazendo contemplações à distância, ponderando cada um dos passos, cada um dos seus afastamentos. Mas gosta da água. É capaz de tomar três banhos num só dia. Existem orifícios que gosta que estejam bem limpos, tem a ilusão de uma ossada de vidro, limada e bem parecida, a ideia de ser bem recebido pelas raízes. As temperaturas sobem, ainda cantam as buzinas e as filas de pessoas com sacos nas mãos. Há dias achou que havia descoberto um novo método implacável, novíssimo, para compor textos. Qualquer coisa como alinhar o texto sempre a partir de dois ou múltiplos autores. Soube depois que isso era um intratexto. Gostou de saber isso e da palavra também. Por isso, a ideia que teve baseava-se nas ideias todas que já lhe tinham passado, fisicamente falando e criativamente pensando. “Não posso andar mais com estes sapatos” “a sério?” “ahahahahahahah!”, “achas? Aquilo é que é!” “disseste que tinhas ido lá” “vais deixar cair isso caramba!” “sim, sim” “olha, não tenho este” “é melhor não, é caro” “está gente, não vês? espera!” “vai levantar dinheiro” “posso passar para o outro lado?” “uma gaja cansa-se, meu deus”. Reflectiu um bocado nisto durante quatro cigarros. À volta do fumo faz uma síntese e o resultado é nada. Olha outra vez para o canto do mar. Está sem ondas. Fecha as janelas porque começa a entrar um vento frio. Duvida se o que ouve são mesmo os pássaros ou se é algum efeito sonoro, moderno, do trânsito ou assim. Mas são mesmo os pássaros. Depois concluiu: desde a ideia de que chegaria às estrelas numa volta de bicicleta até aos quatro cigarros de agora, ele não fez mais nada que não seja explorar-se a si mesmo. Como lhe poderiam pedir isso?, perguntou-se enquanto lavava os dentes. Ainda colam as pontas dos dedos, mesmo depois de lavadas. Deve ser um efeito secundário da exploração, a espinha nervosa do questionamento encurralada como um animal dentro de um círculo de fogo. Mas pouco lhe interessava isso. Se tivesse de cumprimentar alguém com um aperto de mão teria o cuidado de não apertar muito talvez. “O que é que vamos matar a seguir em ti”, saiu de casa dizendo.
asas

Sem comentários: