23 março 2007

a minha mãe é uma monstra

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Com um queixo do tamanho de uma rocha de beira-mar, com sítios onde as pulgas se espetam e escavam a pele, a minha mãe é do tamanho do seu rosto que é monstra. Horrível. Digna de posar numa daquelas feiras de anormais. Tenho medo. Julguei que ela pudesse ser um pouco mais bonita. Servi-lhe uma refeição numa daquelas tigelas de louça gasta para o escuro, sentado num banco de pinho velho. Eu era tão pequeno, ficava com a cabeça pela altura da mesa e por isso precisava de me esticar muito para levar a colher àquela boca meia morta. Depois as mãos. Outras partes do monstro a prenderem-me o olhar, mas o coração também que de tanto bater quase pulava cá para fora. Fui deitá-la a seguir, sentindo as elevações da pele nos seus dedos engarrafados, nos polegares rugosos e pesados. Eu pensava que a minha mãe pudesse ser um pouco mais bonita. Estava um cair de noite azulado, do céu caíam gotas como que de um petróleo pastoso que ia soldando o telhado frágil da casa. Uma cozinha apenas. Uma casa, uma divisão. Uma cozinha que em termos de dimensão se confundia com o tamanho da mesa, obliquamente encostada à parede de pedra preta. Uma fogueira, num canto mais iluminado, e um balcão encostado na outra parede com restos de uma torneira sozinha e uns cacos de plástico com migas de bolachas dentro. A outra parede era a porta, mas não a víamos, embora soubéssemos que era ali que a porta estava. Mas deitá-la no canto que sobrava na cozinha não foi fácil.
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