Proust
encontrava-se numa outra direcção quando chegou ao deserto. Não a direcção de
um troço ou de uma rota inscrita em si. Era a direcção que o próprio deserto
tomara quando pela primeira vez o viu chegar. Então seguiu, ciente da passagem
que lhe pesava a sombra, cerrando os olhos de cada vez que a oblíqua luz do sol
se enevoava no ar. Entretanto, recordava-se de um sonho passado algures entre
uma fronteira, com montanhosas pedras de ambos os lados. O barqueiro, que de um
dos lados lhe acenara, alardeava o corpo entre seduções e melopeias
descendentes. Proust percebeu, no seu próprio sonho, que desse lado da
fronteira o barqueiro conflagrava entre as sombras e os lugares em aberto nas
montanhosas pedras. Era um sonho, muito embora aparentemente simbólico dentro
da maneira de Proust pensar enquanto sonhava. Do outro lado imaginava um
oposto, um corpo cujo balanço captasse as formas vivas do seu desejo. Mas desse
outro lado, sem paralelo, avistara uma linha recta, um imenso espaço
ligeiramente avermelhado e sem nada. Este lado, pensou para si durante o sonho,
não parece ter princípio nem fim. Mas isso, essa visão, não o deixara
sossegado. Ele vira no sonho como podem dois opostos nada opor entre si, e
desacreditou-se da dialéctica. Levantava agora a cabeça e a luz branca do sol
em cima continuava a cegar-lhe os passos. No deserto Proust perdia com
frequência o sentido da razão, porém continuaria a caminhar pela realidade
fora.
(fotografia de Peter Keetman, 1953)
Sem comentários:
Enviar um comentário