02 agosto 2007

o filho único


as
as
as
as
as
as
as
as
as

A mãe dera à luz. E sentia-se visivelmente feliz com o futuro. Certo dia, perguntou-lhe o filho: “Mãe, eu sou bonito?”, “Claro que sim”, respondeu-lhe a mãe com uma voz afiada. Passaram-se alguns dias e o filho continuava a pensar na pergunta que fizera. Diversas vezes dava conta de si sentado no sofá a lembrar-se do som da voz da mãe. Numa outra altura resolveu dizer-lhe: “Mãe, o Sr. Franz Kafka teve onze filhos e nem todos saíram bonitos.”, e tinha algum ar de tristeza nos lábios quando terminou de falar. A mãe olhou para ele com muita atenção e disse como quando se vai dizer uma coisa apenas uma vez: “Mas tu és o filho mais bonito que existe.”. Voltaram-se a passar mais alguns dias e durante esse tempo o filho teve sonhos onde ouvia tiros de vidro e um eco longínquo como que saindo de um búzio muito gigante. Enquanto via a mãe deitada na cama imaginava como teria sido viver dentro dela. Enquanto via a mãe a falar com uma amiga imaginava como a amiga pensaria na sua mãe com um filho dentro dela. Enquanto via a mãe de volta de um livro imaginava como seria a sua vida se nunca tivesse tido o filho. Enquanto via a mãe doente imaginava o que teria acontecido se a mãe não fosse medicada ou se a mãe tivesse escolhido ser outra coisa qualquer. Por isso, voltou a dizer-lhe: “Mãe, eu sou bonito? Desculpa perguntar outra vez.”, “Não há dúvida que és o filho mais bonito”, disse-lhe ela com ar de felicidade momentânea. Mas o filho voltava a observar a mãe enquanto ela vestia e despia o avental, enquanto entrava e saía da casa, enquanto se perfumava e enquanto ria e chorava. Depois, num outro dia, perguntou-lhe “Eu sou o filho ou o rapaz mais bonito?” e a mãe respondeu-lhe “Todos os rapazes são bonitos”. Então o filho decidiu dedicar-se ao mergulho para não pensar mais em coisas deste género. Enquanto mergulhava ouvia sempre outras vozes. Enquanto estava debaixo do mar imaginava estar debaixo da barriga da mãe. Enquanto mergulhava sentia que não podia respirar, uma vez que não podia haver ar onde havia vida a nascer.
asas

1 comentário:

Luís Galego disse...

senti parar a respiração à medida que lia...excelente!!!