I.
Eu
tenho compressas entre as mãos
que
são de um amor tão distante quanto
aquela
primeira pedra da voz.
É
bastante casual esta associação
que
meio sozinho o poema faz
entre
um amor atado por mãos dobradas
e
feridas.
Só
por isso, nem este poema devia ser escrito
porque
não há conclusão de cuja premissa
tu
e eu já não a saibamos.
Mas
ele diz-me que entre as duas línguas da escrita
há
um arame
e
que por detrás dessa desfocada linha
a
palavra não pode ser a estética
que
o poema e a experiência lhe antecede.
Eu
fico suspenso, se não parado.
Vejo
fotografias de rostos passados
em
cujas linhas houve uma mão e um poema
que
à minha frente mos soube dispor.
Os
saberes inclinam-se perante essa força móvel
que
nos dizem ser a experiência
e
eu não sei se o poema é qualquer coisa em si mesma.
II.
As
mãos compressas arrastam os meus dias longos.
Isto
podia expressar um clamor estrutural e como num modelo
o
poema surgiria como a vida.
Esta
seria a estética desejável,
não
aquela que submete a vida à forma,
antes
a qualidade das coisas
à
forma viva que daí é vivida.
Menos
para mim,
em
que os desígnios são seguidos
como
réplicas de literatura e ciência
e
toda a melancolia parece supor um esforço
que
é como num cristal que deixa de ser melancólico.
III.
Paro
e atravesso uma das ruas que me enfrenta,
é
só passar.
Mas
paro e levanto um pé de cada vez
como
se isso fosse um interlúdio do ator
e
dos murmurantes que restam na passagem.
Vivo
por entre as árvores que se agonizam no inverno
e
delas não faço qualquer ideia.
Enquanto
se recebe um rosto que passa
perde-se
a figura relâmpago que o cruzou.
É
um modo de trocar
de
fazer e sofrer a experiência de viver,
e
como em tudo isso é a estética subindo
intraduzível
em qualquer verbo.
IV.
Foi
o poema que ligou as compressas
e
não as mãos por si ou por um amor
de
cujo organismo vivo elas pudessem curar-se.
Foi
demasiado tarde toda aquela passagem na rua
entre
quem pára dá e recebe,
e
foi só esperar crescer durante as vidas que passaram vivas
e
crescentes.
Isto
podia ser a tradução prática de uma dor,
que
é aquela que me liga aos objetos.
Num
passar de ritmos e outros cursos há paragens
e
insignificantes coisas que o poema anima
e
corta.
(Fotografia
de Shomei Tomatsu)