04 janeiro 2010

Ou um mês

















Foi muito púrpura ver-te sorrir no meio
dos armários vintage
e dos copos alface de onde nos vinham
as maçãs e o açucar. Foi muito elegante
tudo o resto, antes sequer de ter acabado:
eu pensei que só se nascia uma vez.
Vamos por partes, tu um esquema que ainda guardo
como se fosse a primeira nave
que desceu na lua - como se vê, a tender
para o infinito - uma hora que foi realmente
urbana para mim. Eu passo muito tempo
a pensar se sou moderno, nós éramos uma cor,
eu pensei que só se nascia uma vez.
Aquela sobriedade do Porto foi muito labial
no sentido em que tocaste cada um dos degraus
da eterna música, que já não é som
é arquitectura, é carne, vírus.
Foi muito felino tudo aquilo que o resto fez,
rompem os tambores e pouco interesse há
em distinguir se viemos hoje,
por isso eu pensei que podia nascer outra vez
em dois sítios só, ou num só.

Ou dos que vigiam

Eles andam atrás dos gaiteiros,
dos que andam à cata de álcool entre a meia-noite
e as sete.
E é tudo bastante triste, é suposto que a madrugada
seja um enorme g onde todos os vícios caibam:
diz-me porquê? Passam os senhores da lei
e as viaturas abrandam enquanto lá dentro
há um corpo que se desterra, as tuas mãos
o meu ventre agoniado, é como se agora e para sempre
estivesse na nonagésima página de um cigarro
que é este texto,
e durante ti Janeiro implodisse concretamente.
Eles dizem ler o aviso,
está tarde, faz frio, vão para casa que este vinho
não é de beber: malditos gaiteiros que chegam às desoras.
Não se explica esta coisa de o coração vigorar
porquanto a vigia que o nota,
são cem os alfabetos que pela noite batem
e a velocidade que a rua traça. E falam
por causa dos estranhos que conhecem às escuras,
como se esperassem que nenhum outro
os detivesse pela sombra, fazem-se eleitos
pregando truques à miséria que os recolhe.